O cenário era o Jazzy, um espaço vibrante e luminoso no coração de Lisboa, vizinho ao Tejo, onde a música se espalha como um convite à vida. Ali, pessoas vindas de todos os cantos do mundo se encontravam unidas por uma paixão comum “dançar.”
Não sei dizer a hora exata — talvez fossem oito e meia da noite. Apenas lembro que a energia que me restava era pouca. O ambiente estava cheio de vida, a música pulsava como um coração em festa, mas o meu corpo carregava o peso do dia: ginásio, umas braçadas no mar, um banho de sol na praia. E, sobre tudo isso, a lembrança de que no dia seguinte me esperavam longas horas de viagem, de Setúbal a Lisboa, e de Lisboa a Madrid.
Depois de dançar algumas músicas com mulheres encantadoras, deixei-me cair num banco perto da saída. Os olhos fitavam a porta, mas o coração murmurava uma súplica: fica. Estava prestes a ceder ao cansaço quando a vi e foi como se uma onda de luz atravessasse a sala. Um sorriso imenso, luminoso, que parecia carregar consigo toda a energia do mundo. Não vinha diretamente na minha direção, mas o seu olhar bastou para me erguer. Reparei que ela repetia baixinho, para si mesma: “tenho que dançar, tenho que dançar”. E então, quase sem pensar, convidei-a: ♥ dança comigo ♥
Aceitou sem hesitar. Confessou, envergonhada, que só tinha tido três aulas. Mas as palavras logo se tornaram desnecessárias: pedi apenas que confiasse, que se deixasse levar pelo ritmo, que escutasse a música com o corpo.
A alegria dela era contagiante, mas nos seus olhos vislumbrei algo mais profundo — uma sombra de tristeza que decidi não tocar naquele momento. Preferi ser o protagonista de um instante leve, sem melancolia, para que, se houvesse dor, ela ficasse fora da pista. Dançámos uma música, depois outra, e mais uma. O meu cansaço dissolveu-se como névoa ao sol. Éramos dois corpos num só compasso. O seu perfume, a suavidade da sua pele, o seu sorriso cristalino — tudo parecia conspirar para que eu acreditasse que poderíamos dançar para sempre.
Então veio a surpresa. Pediu para gravar a nossa dança. Sorri, achando que sacaria apenas o telemóvel. Mas, em vez disso, tirou da mala um objeto branco e grande. Por um instante pensei num tripé. Até que percebi que era um drone. Em segundos, ligou-o ao telemóvel e lançou-o ao ar. O pequeno aparelho flutuava a menos de um metro de nós, como um cineasta silencioso, testemunha invisível do nosso instante roubado ao tempo.
Ela voltou a segurar-me as mãos, com um sorriso aceso e olhos que brilhavam como duas estrelas cadentes. A sombra de antes desaparecera. O mundo encolheu até caber entre nós. Corpos unidos, lábios hesitantes, mãos que se apertavam com uma urgência quase proibida. Por um instante, parecia que a própria pele implorava para sentir mais do que o permitido.
Chama-se Kaori, vinda da longínqua Austrália e mais uma vez percebi como a dança tem esse dom misterioso de unir almas que, de outra forma, talvez nunca se cruzassem. Trocámos contactos no Instagram. E, naquela pista, para mim, o mundo inteiro desapareceu.
Os outros olhavam, talvez com inveja, enquanto caminhávamos abraçados entre a bachata e a salsa. Para ela, era a primeira vez na salsa. Mas bastaram duas músicas para que parecêssemos dançar juntos há anos. O tempo tornou-se líquido, interminável.
Más como tudo o que é belo, o momento teve fim. Saímos juntos da pista de dança e falámos. Contou-me das suas viagens, da sua vida, e cada palavra só despertava em mim mais curiosidade. Ao despedir-nos, ela apertava as minhas mãos, silenciosa, como quem pede para ficar. Eu, dividido entre o desejo e a razão, segui o meu caminho. Sabia que tinha de partir para Madrid; ela prometeu visitar-me, dizendo que Madrid sempre estivera nos seus planos.
Despedimo-nos com um abraço forte e um beijo tímido, que deixou no ar o sabor do inacabado. Não resisti: olhei-a fixamente e, com voz suave, confessei-lhe que teria saudades. Combinámos encontrar-nos em Madrid — sem data, sem hora. Talvez aconteça nesta vida, talvez noutra. O destino não se força. Se tiver de ser, o universo há de alinhar-se.
Enquanto isso, guardo comigo este eco:
a memória de um sorriso,
o perfume de uma noite dançada,
e a esperança secreta de que um dia
voltaremos a ser dois corpos
no mesmo compasso.
E assim, despedimo-nos sob a noite lisboeta, entre abraços demorados e um beijo que prometia mais do que dizia. Havia fogo nos nossos corpos, mas o destino pediu silêncio, como se guardasse para si o direito de decidir o resto da história.
Despedi-me dela com um beijo tímido e um abraço quente, e parti. Ela ficou no Jazzy, talvez a dançar ainda com a mesma alegria e Madrid ficou suspenso entre nós como uma possibilidade ou apenas como um sonho.
“O mistério é o perfume secreto do desejo.”