“Investir na compreensão intercultural não é um luxo, é uma necessidade estratégica. Porque entender como falamos… é muitas vezes mais importante do que o que dizemos.”
Vivemos num mundo onde a colaboração entre pessoas de diferentes culturas já não é a exceção, mas sim a regra. Em grandes corporações com sedes espalhadas por todo o planeta, é cada vez mais comum que os membros de uma mesma equipa falem línguas diferentes, trabalhem em fusos horários opostos e, acima de tudo, pensem e comuniquem segundo quadros culturais profundamente distintos. Neste contexto, os pequenos matizes culturais deixam de ser meros pormenores para se tornarem fatores críticos que podem ditar o sucesso ou o fracasso de um projeto. E não estamos a falar de “mal-entendidos caricatos”: falamos de decisões estratégicas, impactos económicos e, em certos casos, até consequências trágicas.
É por isso que hoje, após reler pela terceira vez o bestseller de Malcolm Gladwell – Outliers, partilho uma reflexão sobre o capítulo 7, orientando-a para o mundo corporativo global e os desafios que enfrentam as organizações multinacionais.
Um exemplo trágico e revelador de como a falta de compreensão intercultural pode ter consequências devastadoras é descrito no capítulo 7 de Outliers, intitulado “A Teoria Étnica dos Acidentes de Avião”. Nele, Gladwell analisa o acidente do voo Avianca 052, que se despenhou em Nova Iorque, em janeiro de 1990, causando a morte de mais de 70 pessoas.
O mais surpreendente é que a principal causa não foi uma falha técnica, nem condições meteorológicas extremas, mas sim uma cadeia de mal-entendidos comunicacionais profundamente influenciados pela cultura.
Gladwell não fala em sentido figurado: sustenta as suas afirmações com dados, estudos e análises. A raiz do problema reside num conceito fundamental da psicologia intercultural: o Índice de Distância ao Poder (PDI), desenvolvido pelo sociólogo holandês Geert Hofstede nas décadas de 1960 e 1970.
O Power Distance Index (PDI) mede o grau em que as pessoas numa sociedade aceitam e esperam uma distribuição desigual do poder:
- Em culturas com PDI elevado (como a Colômbia, Coreia do Sul, México ou Filipinas), existe uma forte deferência para com a autoridade. Os subordinados tendem a evitar confrontar os superiores, a comunicação tende a ser indireta e privilegia-se o respeito pela hierarquia.
- Em culturas com PDI reduzido (como os Estados Unidos, Alemanha, Países Baixos, Dinamarca ou Austrália), valoriza-se a horizontalidade, a franqueza, e espera-se que mesmo os colaboradores mais jovens ou com menor estatuto comuniquem de forma clara e direta, sobretudo em situações de urgência.
O que é que isto tem a ver com o nosso contexto profissional?
Muito mais do que podemos imaginar. Nas nossas reuniões virtuais ou chamadas com a Ásia, Europa ou América Latina, as diferenças culturais na comunicação podem originar mal-entendidos subtis mas decisivos:
- Um colaborador que evita contradizer o chefe não é, necessariamente, passivo: pode estar a agir segundo códigos culturais que valorizam o respeito hierárquico.
- Um colega que se expressa com franqueza não está a ser agressivo: pode vir de uma cultura onde a clareza é sinal de eficácia, e não de rudeza.
Ignorar estes códigos culturais pode levar a:
- Projetos mal executados
- Interpretações erradas das prioridades
- Tensão entre equipas
- Falhas em negociações
- E, naturalmente, perdas económicas
O que aconteceu no acidente?
A tripulação do voo Avianca, de origem colombiana, nunca comunicou de forma direta que se encontravam numa emergência crítica por falta de combustível. Utilizaram uma linguagem vaga e respeitosa, que, para os controladores aéreos norte-americanos, não transmitia uma verdadeira sensação de urgência.
Em culturas com baixo Índice de Distância ao Poder (como a dos Estados Unidos), espera-se uma comunicação clara, precisa e direta: “Mayday”, “emergência”, “combustível crítico”. Mas o que se ouviu foi algo como: “temos pouco combustível”, “gostaríamos de ter prioridade”. Não foi suficiente. E o desfecho foi fatal.
Porque é que o PDI continua a ser relevante hoje em dia?
O modelo do Índice de Distância ao Poder foi desenvolvido 20 a 30 anos antes do acidente da Avianca. No entanto, em 1990, não foi aplicado ou foi simplesmente subestimado.
Mais de 30 anos depois, continuamos a trabalhar em equipas multiculturais, com realidades organizacionais cada vez mais complexas, e mesmo assim, este tipo de conhecimento nem sempre é incluído nas formações ou nas estratégias de gestão intercultural.
Reflexão final:
Compreender o conceito de PDI e aplicá-lo na prática é uma forma concreta de melhorar a comunicação, a produtividade e a coesão nas equipas globais.
Num mundo onde o talento e os negócios não conhecem fronteiras, a inteligência cultural não é opcional. É essencial.